quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Negócios de obituário

Nascido em São Gotardo, interior de Minas Gerais, em 20 de setembro de 1942, Roberto Machado tinha 70 anos. Empresário do ramo de persianas e cortinas, levava a sombra para a casa das pessoas. Bom pai e bom marido, deixou dois filhos, três netos, a esposa Glória e a cadelinha maltês Pink, de quatro anos. Além de um Ford Mustang Mach 1, ano 1973, vermelho com listras pretas. O grande amor de sua vida. Até a noite de ontem, quando sofreu um mal súbito.O enterro será hoje, às 14h, no cemitério do Centro.
Mustang Mach 1

Como de costume, Pascoal lia o obituário do maior jornal da cidade logo pela manhã. E, após alguns goles de café preto, emocionou-se por aquelas poucas linhas dedicadas ao mais quente defunto da região. Não por nutrir qualquer sentimento em relação ao desconhecido que, em sua imaginação, usaria cortinas em seu caixão. Mas pela oportunidade de negócio.

Um Mustang, senhores, acabara de ficar órfão de pai. E ele, apaixonado por carros, via ali uma ótima chance de adquirir a grande máquina Eleanor. Era esse o nome do carro no filme "Gone in 60 Seconds", filmado em 1974 e que, em 2000, teve um remake com outro Mustang, um Shelby GT500 ano 1967.

Se nos dias de hoje os internautas ficam ligados nas redes sociais à espera de promoções relâmpago com cupons de desconto ou em sites de compras coletiva, eram dos obituários que Pascoal gostava. A partir deles, já havia alugado ótimos e bem localizados apartamentos a preço de banana, comprado uma coleção inteira de selos por uma quantia irrisória, roupas de grife a valor de saldão e até se encontrado com uma antiga namorada de infância, após ler em ligeiras linhas que ela ficara viúva de um rico magnata.

A estratégia do malandro era em grade estilo. Choroso, aparecia no velório, abraçava filhos e viúva e se dizia um grande amigo daquele que partiu. Criativo, contava aventuras vividas pela dupla. Nessa tarde específica, inseriu o Mustang na maioria delas, dizendo que o carro era um grande elo da amizade entre os chapas.

Dias depois, aparecia na residência ainda em clima de funeral e fazia a sua proposta, bem abaixo do preço de mercado. A família, machucada e sem rumo, se negava a se desfazer do bem, mas o valor bruto, em dinheiro, dentro de uma maleta, acabava convencendo-os do contrário - geralmente por conta das dívidas deixadas pelo defunto.

Mais uma vez, Pascoal conseguia o que queria. Feliz e satisfeito, tirava onda com a morte dos outros. Mas também flertava com a sua. Lutando contra um câncer, queria ter tudo de valioso que outras pessoas haviam tido em vida, mas por preços acessíveis. Pascoal não sabia até quando tudo isso ia durar.

Amanhã bem cedo, a bordo de seu novo Mustang, planeja visitar o jornal da cidade. Quer conhecer o redator de obituários, contar a sua história, agradecer pelas informações e pedir que, quando falecer, nenhum de seus bens sejam citados nas tristes linhas. Tem medo de interesseiros.






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